MEU "JACARÉZINHO".






Eu tinha uns cinco ou seis anos e desde essa época jamais consegui esquecer meu amigo e inacessível jacarézinho que ficava no vidro da minha janela que eu mantinha fechada para que ele não se assustasse e continuasse sempre a vir.
Ele era na realidade uma lagartixa e chegava sempre no mesmo horário, ficando agarrada no lado de fora do vidro.
Nunca a chamei de lagartixa e sentia um grande orgulho de ter um “jacarezinho”, passeando ali na minha janela.
Só via sua barriga branquinha, as patinhas e seus mínimos dedos agarrando-se ,nem sei como, no liso vidro daquele palco encantado.
Eu chegava da escola, ao cair da tarde, quando os mosquitos e outros insetos eram mais numerosos lá estava ela esperando por mim e eles.


Então se empanturrava!
Coisa engraçada é que um dia eu vi perfeitamente, um inseto que ela tinha engolido correr pela sua branquíssima garganta e sumir no seu corpo.
As lagartixas são transparentes por baixo!


Uma vez quiseram me dar dois gatos de presente eu recusei,por razões óbvias.

Ela só me dava alegrias . Sua companhia era assídua, pontualíssima e ficava tão imóvel que às vezes me assustava e chegava a pensar que ela tinha morrido.Então, abria a janela, mas ela imediatamente fugia em corrida desabalada. Estava dormindo.
Nossa que alivio eu sentia !
E pouco depois voltava parecendo estar tão alegre como eu , pois ficava andando com mais desenvoltura pelo vidro da janela, como se estivesse querendo me divertir.
E tenho certeza que estava.
Minha amizade com meu jacarezinho era tão forte que chegava a doer no meu peito, e só muito mais tarde é que soube que era mais do que amizade. Era amor mesmo!
Um dia não apareceu, fiquei esperando horas e não apareceu.
Minha mãe me chamou para jantar e disse que estava sem fome, e aí meu pai obrigou-me a ir para a mesa.
Naquela época as famílias ainda faziam suas refeições todos juntos .Era um lindo ritual!
Então, após a pouquíssima comida que conseguí empurrar goela a dentro, voltei para o meu quarto e que decepção ,meu jacarezinho que durante tanto tempo me fazia companhia, não estava mais lá.
Meu quarto ficou sem graça, minha vida de criança muito chata, e como estávamos no Natal, pedi a Papai Noel que ele trouxesse meu jacarezinho de volta e o colocasse no meu sapato na janela.
Quando acordei fui direto para a janela e lá estavam muitas quinquilharias e bugigangas , muitos presentes, mas o principal, o mais ansiosamente esperado não estava: Meu jacarezinho!
Foi nesse dia que experimentei o verdadeiro sentimento de perda!
E ainda hoje, em todas as situações semelhantes na vida, eu me lembro do meu jacarezinho.

Então, o sofrimento é em dobro.