Esta é uma das razões de nunca mais eu ter lido aquelas páginas de falecimentos, publicadas nos jornais, é porque eu choro pela morte de qualquer um, pois esta é a forma que encontrei de valorizar a dádiva de estar vivo!
Naqueles espaços de obituários, em certas épocas parece que o pessoal combina de partir desta para uma outra, e todos ao mesmo tempo, então dezenas de anúncios são colocadas e para cada um deles, eu derramava um rio de lágrimas, em forma de cascata, acompanhados de soluços incontroláveis.
Chegava a desidratar.
Podia ser qualquer um, gente que eu nunca tinha visto e jamais imaginei que existisse.
Mas confesso, que chorava. Atualmente, eu consigo me controlar muito mais, a não ser que o noticiário do rádio ou da televisão me pegue uma surpresa, como esta:
“A associação dos plantadores de arroz de china acaba de divulgar a morte do homem mais velho do mundo, Sifoi Cin, aos cento e trinta anos, recordista absoluto no plantio e colheita deste grão preferido dos chineses”.
Neste caso eu chorei em mandarim, mas e se ele fosse cego, eu choraria em braile.
Querem saber a razão?
É porque, isto cutuca minha consciência e me lembra que eu também, que até hoje posso comer meu arroz com feijão, ou o meu predileto arroz doce com canela, um dia vou ser obrigado a deixar todos os pratos vazios, aqui por estas bandas.
Na realidade, quando eu choro a morte de qualquer um eu estou chorando a minha própria e futura morte e, também, celebrando que apesar de estar na fila, e ela estar andando, ainda não fui contemplado.
E este negócio de velório então, é uma verdadeira tragédia grega, por vezes muito mal encenada, pois quando um dos presentes, vê que está sendo notado, então se sente na obrigação de demonstrar sua dor incontida e começa a dar soluços convulsivos, mais falsos do que seios siliconados.
E por esta razão que todo mundo vai aos enterros de óculos escuros.
Já os italianos da Calábria e da Sicília, resolveram estes possíveis constrangimentos de forma inteligente e para ninguém ser pego de surpresa fingindo lágrimas, eles contratam as famosas carpideiras, as profissionais do choro, todas vestidas de preto pretíssimo, que berram dia e noite revezando-se apenas, para comer uma porpeta, brachola, um sanduíche de salaminho ou mortadela acompanhado de vários copos de vinho, porque afinal, ninguém é de ferro e já está tudo incluído no contrato.
Fala sério, velório é um saco!
É um ambiente infestado de múltiplos e enjoativos odores que se desprendem das coroas de flores, e que ainda exibem textos ou palavras soltas necrológicas, nas suas faixas roxas com letras douradas, algumas muito pouco criativas, bastante econômicas e absolutamente burocrática, manifestada somente na palavra:
“Saudade”.
Outras de forma comedida, mesmo assim, expressam certa frustração e uma singela dose de revolta de quem a encomendou:
“$audade, mas podia me pagar antes”.
E em torno daquelas coroas de flores, voam abelhas e seus indesejáveis zumbidos dando mergulhos rasantes e ameaçadores também, nos rostos dos presentes, exatamente, como se estivessem voando em torno daqueles sonhos que ficam em cima dos balcões das padarias e derramando aquele creme amarelo para fora.
Nunca faltam, também aqueles caras metidos a engraçadinhos que, para meter medo naquela mulher gostosa a seu lado, jura ter visto o tal do cara que está lá em decúbito dorsal abrir a boca, mexer a cabeça, arrotar, enfim...
Para aquele que foi, nada de mais, mas para os que ficam, o quadro se assemelha a de um pintor que não pinta e sim, borra com cores extravagantes, uma tela de mau gosto, principalmente, quando chega o momento de fechar a tampa da última morada de madeira daquele homem.
Aí como era de se esperar sua mulher não se contém e abraça o caixão.
O que surpreende a todos, no entanto, é que várias outras mulheres absolutamente, desconhecidas da família debruçam-se, também, para o derradeiro beijo de despedida.
Uma cena insólita que mostra que nem depois do marido morto, as esposas não conseguem se livrar das concorrentes.
E a fila é enorme!
Acontece de tudo nestas ocasiões, até os cochichos dos amigos que seguram aquela mala enorme e com alças, e começam a reclamar do excessivo peso, como se o finado estivesse sendo acusado de desleixado, porque antes de morrer, deveria ter feito um severo regime, para facilitar o seu transporte.
Quanta falta de solidariedade!
Mas eu continuo a chorar, por todos os que morrem, porque sei que um dia também, vou ser este sinistro personagem a representar no último palco da vida, um espetáculo mambembe, pífio e bizarro exatamente, igual àqueles que são encenados em cima de um caminhão velho, improvisado como teatro, nas mais longínquas, pobres, empoeiradas e secas regiões do interior.
Acontece de tudo nestas ocasiões, até os cochichos dos amigos que seguram aquela mala enorme e com alças, e começam a reclamar do excessivo peso, como se o finado estivesse sendo acusado de desleixado, porque antes de morrer, deveria ter feito um severo regime, para facilitar o seu transporte.
Quanta falta de solidariedade!
Mas eu continuo a chorar, por todos os que morrem, porque sei que um dia também, vou ser este sinistro personagem a representar no último palco da vida, um espetáculo mambembe, pífio e bizarro exatamente, igual àqueles que são encenados em cima de um caminhão velho, improvisado como teatro, nas mais longínquas, pobres, empoeiradas e secas regiões do interior.
Só quero, no entanto é que sobre minha última morada, a mulher mais generosa fique sobre ele debruçado, cuidando do meu sono eterno.
É sono... Bem nesta condição não terei outra alternativa.
Que desperdício!