HÁDESER :O PAÍS DO FUTURO
CAPÍTULO 11
FRAGMENTOS DA VIDA URBANA EM HÁDESER: TRANSPORTES.
Constituía-se
fator de inegável orgulho para os Hadeserianos, ostentarem seu intrépido
crescimento urbano, prova inequívoca do seu grande desenvolvimento industrial.
Nas grandes cidades o trânsito era uma mistura de porradas
simultâneas e engavetamentos intermináveis.
Era comum numa mesma semana o Diretor Geral de Trânsito ser substituído 8 (oito)
vezes.
Aliás,
em Hádeser esta coisa de “substituir” para resgatar credibilidade pública era
muito comum. Porém, em geral, quem substituía é que deveria ser substituído.
Fenômenos
de hábitos culturais dos mais interessantes, incoerentes e inacreditáveis
chegaram ao nosso conhecimento graças aos depoimentos gravados na fita n´mero 1 dos nossos arquivos.
Um
exemplo dramático era o fato do horário de trabalho nas cidades de Hádeser, ser
absolutamente igual para todos ou seja, 08h00 às 17h00.
É
verdade que existia pequenas variações bem criativas como: 7h30 às 16h30, 7h00 às 16h00, 08h30 às 17h30 entre outras.
Isto
provocava no trânsito um fenômeno intitulado pelas autoridades de: SEI, “Síndrome de Empastelamento inevitável” e no horário do almoço a NEL ,“Neurose do Pastel”.
A
situação era muito simples. Como poderiam milhares de carros passarem pelas
mesmas ruas principais, nos mesmos horários, na mesma direção e em direção aos
mesmos lugares?
Lógico
que os chamados “inconvenientes do trânsito” teriam que ser constantes e
férteis.
Como
poderiam, por mais que existissem, os restaurantes, botequins, biroscas e o
cacete, suportar verdadeiras invasões de famintos, hordas alucinadas de
comensais com 1 (uma) ou 2 (duas) horas fixadas, rigidamente, como horário de
almoço, antes de voltarem ao trabalho?
A fita gravada mostra-nos dois momentos distintos das caóticas situações descritas.
A
primeira cena começa numa imensa fila de ônibus no bairro de Alhures, na cidade
de Hágora, distante cinquenta e seis quilômetros do centro da cidade (também chamado
jocosamente de Caldeirão do Diabo).
A
Câmera aproxima-se de uma pálida cidadã de aproximadamente 1,75m, aparentando
uns 55 anos, ultrajado (desculpe) trajando uma camisa branca-amarelada
semi-poida no colarinho, calça de brim cinza mais amarrotada que deveria, tênis
azul celeste e com fisionomia de anjo barroco.
Esta
cidadã era a 118ª da fila. A repórter aproxima-se e pergunta:
Repórter
– A Srª. Está indo para o centro da cidade?
Cidadã
– Pretendo!
Repórter
– A Srª. Está nesta fila há quanto tempo?
Cidadã
– Três horas
Repórter
– Três horas?
Cidadã
– Acha muito ou pouco?
Repórter
– Quem tem que achar é o Srª.
Cidadã
– Eu já não acho mais nada!
Repórter
– São cinco horas da manhã. A que horas o Srª. Acordou?
Cidadã – Eu nem dormi...
Repórter
– Como assim?
Cidadã
– É o seguinte: como ganho um salário menor, eu ontem fiz hora extra e sai do
trabalho às vinte e três horas. O último ônibus pra cá, passa por lá às vinte e duas horas. Então fui
para a estação do trem. O último pra cá já tinha saído de lá. Tentei carona,
pararam dezoito carros, mas dei azar, eram todas “lésbicas” e não entrei em nenhum.
Reporte
– Mas o senhora faz discriminações absurdas...
Cidadã
– Meu jeitão é assim mesmo.Aí
passou um carro da policia, fiz sinal, eles pararam, me revistaram, eu tinha
esquecido meus documentos em casa, disseram que minha atitude era suspeita e provocativa. Acharam que eu estava fazendo “tratoir”. Eram uns machões nojentos.
Expliquei tudo que disse para senhora, eles, no entanto levaram-me para o
reduto policial para simples “averiguações de praxe”.
Sai
de lá às quatro horas da madrugada, vim a pé, passei em casa, fiz um
rápido almoço para meu marido. Ele quando acordar vai sentir minha falta!
Repórter
– Realmente ele não é nem um pouco machista.
Cidadã
– Absolutamente. Meu marido me apóia muito. É um feminista convicto!
Repórter
– Ele trabalha?
Cidadã
– Sai para fazer “contatos”!
Reporter – Que contatos?
Cidadã-Nunca soube...
Reporter-E quais são suas principais reclamações sobre os serviços desta cidade?
Cidadã
– Todas. Não existem ônibus em quantidade suficiente, demoro quatro horas para chegar ao
centro da cidade e, geralmente sou vítima de orgasmo.
Repórter
- Vítima de orgasmos?
Cidadã
– É às vezes é no ombro, outras na bunda, também nos braços. O ônibus vão muito
cheio. Depende se estou de pé ou sentada. Estes machões se encostam e começam a
tremer. Às vezes até gemem.
Repórter
– É o preço da liberdade...
Cidadã
– Todo mundo desce ao mesmo tempo, entopem as ruas, o transito é um inferno.
Repórter
– Deveria haver leis que punissem estes orgasmos em coletivos...
Cidadã- Minha filha foi deflorada dentro de um trem urbano.
Repórter
– Deflorada?
Cidadã
– É mais casaram!
Repórter
– Dos males o menor. Faz tempo?
Cidadã
– Tem uns anos. A família dela hoje é grande. Já tem quatro filhos.
Repórter
– É os nomezinhos da garotada, como se chamam?
Cidadã
– Vagão, Vagonete, Reboque e Trenzita.
Repórter
– A sua filha viajou quatro anos de trem, acertei?
Cidadã
– Puxa a senhora é muito inteligente!
CONTINUA.