DA LATRINA AO WATER CLOSET.






Recentemente, tive uma conversa bastante acalorada e esclarecedora com um amigo de infância.
No colégio sentávamos na mesma carteira - hoje até isso nas escolas eles desuniram. As carteiras escolares agora são individuais. O máximo de individualidade e excessiva competitividade. São pequenos detalhes como estes que, vão criando grandes razões futuras, do cada um por si.
Pois bem, ao reencontrá-lo, descobrirmos que não existem mais tantos botequins e, então, fomos a um destes Shoppings que proliferam em cada esquina.
Sentamos num daqueles quiosques para beber alguma coisa, quando de repente ele disse:
- Agüenta aí que vou dar uma mijada. Aproveita e pede um chope pra nós.
Acenei positivamente com a cabeça. Pouco tempo depois ele voltava e, assim que sentou, disparou:
- Vocês são muito ingratos com o este novo país!- exclamou coçando, ostensivamente, o saco.
- Vocês quem? Interrompi, espantado e curioso.
-O brasileiro é um bicho muito complexado, vive falando da colonização dos portugueses, dos erros, não evolui neste papo. O Brasil mudou muito cara. Este país é outro. Queiram vocês, ou não, o Brasil é outro - finalizou eufórico.
Entre estarrecido e achando que ao invés de ter urinado ele tinha bebido a urina, ousei perguntar:
-Aí cara, por que esta histeria toda? Nós nem estávamos falando sobre política quando você levantou. Lembra que a conversa era sobre as coxas da Marta e você fez até um merecido parêntesis para elogiar também aqueles peitaços da Lucia Helena?Falamos, também, de como ela anda toda empinadinha...
- É verdade meu irmão, sempre que nos encontramos, só falamos de mulher, futebol, estas coisas, mas o papo é o seguinte: A maioria dos brasileiros pensa que isto aqui ainda é uma colônia portuguesa.Não é não. Mudou muito - sentenciou, olhando-me com inegável ar de euforia e ufanismo.
Então resolvi - como diriam os intelectuais - dar forma, substância e conteúdo àquelas afirmações do amigo, pois bêbado ela ainda não estava - apesar desta probabilidade, em curtíssimo prazo se tornar inevitável e exigi explicações.
-Bem, o que é que levou você a de repente vir com esta patriotada!
-Cara, a gente se conhece há muito tempo!Você se lembra quando dava dor de barriga longe de casa?
-A gente ia ao banheiro de um botequim – respondi de imediato.
-Banheiro do botequim, não! Aquilo era latrina - explodiu em argumentações e continuou:
- Latrina fétida com aquela porcariada no chão. Não tinha tábua pra sentar no vaso, não tinha água, não botavam papel, e se a gente reclamava sempre acusavam os fregueses de terem roubado! Estou mentindo? Eu sempre que entrava naquelas pocilgas tinha a impressão que uma lacraia ia subir na minha perna e morder meu cassete...
-Cassete? Ah, sim, cassete. O seu cassete entendi...
-Mulher não entrava em banheiro de botequim. Duvido! Aquele chão molhado de urina, uma escuridão infernal – falava com o rosto avermelhado.
- Realmente você tem razão: banheiro de botequim era terrível. E o pior é que, ainda existem alguns deles espalhados pela cidade - ousei interromper.
-Aquilo se chamava latrina, latrina - repetia compulsivamente.
-Concordo – E ia discordar? E continuava:
-Você se lembra daquelas portas de madeira empenadas que não fechavam, com um monte de palavrões, convite pra sexo? As latrinas não tinham maçaneta, iluminação. O cheiro era asfixiante. Todos os insetos ficavam passeando na tua frente, uns voavam rasantes, em ambas as suas cabeças. Era um negócio aterrorizante. E por mais incrível que pareça é que os donos do botequim mesmo vendo que, você estava “verde de necessidade”, em muitos casos, não entregavam aquela maldita chave presa num pedaço de cabo de vassoura enorme e ensebado.Então o que queria te dizer é que acabo de vir do...
-banheiro do shoping... interrompi
-Aí está a grande diferença: Water Closet. Lá dentro é como se você estivesse entrando num banheiro da Bélgica, Tem sempre um cara com um pano passando desinfetante pra lá e para cá. E o empregado é obcecado por limpeza, não deixa uma sujeirinha - e enquanto falava, gesticulava muito.
-É verdade - Fui obrigado a concordar e quem ousaria o contrário?
-A temperatura ambiente tem ar condicionado central, gelando até as partes baixas da gente. O cassete até diminui,...
-Cassete? Ah, sim, aquele seu cassete que a lacraia podia morder...
- As descargas funcionam com água abundante e o papel higiênico é fino Os das latrinas dos botequins (quando tinha!), você passava e ficava ardendo uns dois dias, tudo assado. Quando não era jornal. A lavagem das mãos é feita com equipamento de primeiro mundo. Você aperta em cima da torneira só sai, em principio a água que vai precisar.Se quiser mais é só, apertar novamente.São práticas e economizam água. Nas torneiras das latrinas você as abria, não tinha água nenhuma e ficavam dependuradas em suas mãos, cheias de ferrugens e soltando as peças.
Um verdadeiro filme macabro.E o sabão liquido? Liquido e cheirosinho. Aí você para secar as mãos escolhe: papel ou secador de ar frio ou quente. Grandes espelhos para o cliente ter uma completa idéia da sua aparência. Enfim tecnologia e higiene absolutas. Como diriam os paulistas: ”porra meu” isto é ou não é evolução? Hoje em dia podemos não ser país de primeiríssimo mundo, mas com certeza, estamos chegando lá.
Nunca fomos à lua, no entanto, fazer nossas “necessidades” fora de casa já não é mais uma humilhação. Quem viveu a era da latrina, se considerava um brasileiro de merda! - Encerrou com a jugular saltando-lhe no pescoço.

Então pedimos mais um chope e voltamos a falar dos peitaços da Lucia Helena e das coxas da Marta.


15 comentários:

Ernani Netto disse...

Ainda existem muitas latrinas por aí... muitas mesmo!

E era melhor ter falado das coxas da Marta e dos peitões da Lucia Helena!

Abraço

sonia disse...

Olá amigo, eu me lembro bem das latrinas... preferia que parasse o carro e ir na moita.
E ter a sorte de não acertar uma plantinha: urtiga. rsrsrs

beijão

Daniel Savio disse...

Cara, o teu amigo é louco e alguma mordida que foi o motivo desta doideira...

Fique com Deus, menino Paulo Tamburro.
Um abraço.

Tatinha disse...

Paulo Tamburro! Ainda, antes de morrer, quero ter o prazer de apertar a sua mão e dizer que você é "O CARA"! Sim mas, isto depois de você sair do WALTER CLOSET e não da latrina!! Já pensou??? hhehaeaha

olhar disse...

VC é demais, PT!!!!

Beijocas da PAULOSTINHA!!!!

Bia

Ira Buscacio disse...

Querido Paulo Tamburro,

Walter Closet é tudo de bom! Vc vai nos pequenos grandes detalhes, isso faz toda a diferença.

O que seria dese amigo sem as latrinas... vida é isso! Histórias pra serem contadas, reclamadas, vividas e lembradas.

Andei um pouco afastada, mas de volta pra me deliciar desse humor inteligente e de tanta sensibilidade.

Vamos combinar, que um boteco tem seu charme...agora os shoppings...
Bjs e saudade

Menina do Rio disse...

Como diriam os nossos colonizadores: Muito giro!
De certa forma evoluímos no contexto MERDA...

Beijos

Yvy disse...

Muito bom, Paulo !

Bjs!

Jacke disse...

Caramba!!!
Na época da colonização o vaso sanitário era mais conhecido por qualquer 'moitinha' e o papel higiênico era folha do arbusto ou árvore mais próxima.
Depois evoluiu para as 'fossas'- contaminando lençol freático - dessas existem centenas nos dias atuais. O que nos deixa muito próximos ainda da colonização.
Evoluimos mas nem tanto.
=/
Abraço

disse...

Eu estudei numa escola estadual que era péssimo...Ficava imaginando que e a situaçao do banheiro feminino era aquele, no masculino nem daria para entrar e respirar!!!
rsrsrs
Bjsss

Fabiano Mayrink disse...

Nossa Paulo que repercuçao teve o banheiro em... enfim seu amigo vir cosando o cacete descaradamente na mesa de comida ninguem merece ne, as vezes o tempo do antigo e bem engraçado de se lembrar mais nada como um belo toalete... kk,

eu sei como é estes banheiros que falou, ja fui em rodeio em mutum ES, e la tinha um banheiro que nem este dava nojo ao entrar, nao tinha porta, LOTADO tudo no grosso, vc acredita que estava fazendo xixi e um cara entro no mesmo box que eu e foi mijando na parede do meu lado, fiquei roxo de vergonha... ele estava bebado, dei graças por ele ter mijado na parede e nao nas minhas pernas...

abraços!

Stella Tavares disse...

Querido Amigo

Como sempre fui lendo, lendo e me deleitando com sua encantadora e irreverente forma de escrever e expressar esse seu humor inteligente e apurado. Além de me deliciar, hoje vim aqui pra te agradecer. Puxa! Fiquei emocionada com o seu carinho e pela forma como você expressou o que acredito, sempre busco fazer. Obrigada mesmo, por esta lente sensível através da qual você enxergou o meu trabalho. Obrigada por permitir que eu publique um texto seu no manual. Volto aqui pra buscar. Obrigada.
Bjs

Pedro Henrique Tavares disse...

...enxergou o meu trabalho: Esse ofício através do qual escapo em frestas.
Bjs

Stella Tavares disse...

...enxergou o meu trabalho: Esse ofício através do qual escapo em frestas.

Entrei para completar o sentdio do que havia falado e nem percebi que estava no blog do meu filho. Aproveito o ensejo para convidá-lo a conhecer o blog do Pedro e que se chama História para iniciantes.
Até mais e obrigada pelo sempre carinho.

Marisa Speranza disse...

Mas, dependendo do lugar, para as mulheres ainda é um exercício difícil.
beijocassssssssssss